Acordei e não sinto nada. Na verdade
sinto. Sinto que um caminhão passou sobre o meu corpo, que virou a noite
perdido em tristeza e reflexão. Fora isso, nadinha. Depois de todo esse tempo
com ele, já não sinto paixão, tesão, raiva, desapontamento ou ânimo. Quiçá
consigo sentir o amor que até ontem estava aqui. O único dos sentimentos que
tinha me restado. Será que me transformei, de novo, na pedra que eu era? Ou
será que fui transformada?
Ele temia o meu desencanto repentino.
Como eu sempre fiz com aqueles que vieram antes. Ora bolas, não posso ser a
culpada por todos os finais dos meus relacionamentos. Definitivamente
não. Não sou do tipo que pede
demais, mas planos sozinhos, quando arquitetados para dois, estão fadados ao
fracasso. É perigoso. E o mais triste: nesse caso, eu assinei o projeto
arquitetônico.
Aí fica a pergunta: cadê o amor que
tava aqui? Ele saiu pra tomar uma xícara de café e volta? Ou ele saiu pra comprar
cigarros e nunca mais será visto? Não sei. Peguei uma moeda e comecei a falar e
ponderar sozinha.
_
Se der cara, é só um café. Se der coroa, são os cigarros.
Joguei. Coroa. Decidi tentar no
melhor de três para o resultado ser mais confiável. Você sabe, é mais preciso
tirar duas ou três caras, do que apenas uma. O vento pode ter influenciado na
primeira. Joguei de novo. Cara. Eu sabia! Ainda sem sentir nada, segurei a
moeda, tasquei-lhe um beijo e fiz o terceiro lance. C-O-R-O-A.
Ora, quanta estupidez a minha pensar
que uma porcaria de uma moeda vai revelar se um duende chapadão resolveu
esconder meus sentimentos num potinho depois do arco íris, ou se ele resolveu
colocar fogo para acender seu baseado de trevo de quatro folhas. Deixa disso,
pensei.
Para descobrir se o amor ainda está
lá, preciso tentar sentir outra coisa, que me prove, de fato, minha indagação.
Já sei, preciso tentar sentir culpa! Se a culpa vier, batata, o amor ainda está
em algum lugar. Se a culpa não vier, ele já não existe.
Tomei um banho demorado. Deixei que
a água que caía sobre mim refrescasse minhas ideias. Aquilo era insano, mas era
preciso.
_ Porra! Esqueci a toalha!
Pisei no tapete felpudo do banheiro
e me remexi feito um cachorro, na esperança que me secar. Não deu certo. É obvio
que não deu. Saí correndo na esperança de não molhar o caminho até o quarto.
Também não deu certo. É claro.
Me vesti. Nada demais. Apenas um
vestido xadrez. Nada de salto ou maquiagem. Apenas o vestido e algumas gotas de
Light Blue. Aquele dia, eu queria carregar um cheiro de sobriedade, não o
típico cheiro de sedução que o J’adore proporciona. Naquele dia eu ia sair em
busca da minha sobriedade emocional. Se eu achasse a culpa, o amor ainda
persistiria, em algum lugar.
Peguei minhas chaves, tranquei o
apartamento. Desci para a garagem. Antes de ligar o carro, coloquei para tocar
aquela música na voz da Maria Rita, que fala que o trem que chega é o mesmo trem da
partida. Achei propício. Tirei o carro e cantei como se não houvesse amanhã. E
cantei uma, duas, três, quinze vezes.
Onde vai estar a culpa? Dentro das
calças de um homem, concluí. Naquele dia, eu precisava beber e foder. E acordar
de porre e suja com a porra de outro. Se ainda sim eu não sentisse nada, era
mesmo o fim do amor.
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