terça-feira, 28 de abril de 2015

Cara ou Coroa

Acordei e não sinto nada. Na verdade sinto. Sinto que um caminhão passou sobre o meu corpo, que virou a noite perdido em tristeza e reflexão. Fora isso, nadinha. Depois de todo esse tempo com ele, já não sinto paixão, tesão, raiva, desapontamento ou ânimo. Quiçá consigo sentir o amor que até ontem estava aqui. O único dos sentimentos que tinha me restado. Será que me transformei, de novo, na pedra que eu era? Ou será que fui transformada?

Ele temia o meu desencanto repentino. Como eu sempre fiz com aqueles que vieram antes. Ora bolas, não posso ser a culpada por todos os finais dos meus relacionamentos. Definitivamente não. Não sou do tipo que pede demais, mas planos sozinhos, quando arquitetados para dois, estão fadados ao fracasso. É perigoso. E o mais triste: nesse caso, eu assinei o projeto arquitetônico.

Aí fica a pergunta: cadê o amor que tava aqui? Ele saiu pra tomar uma xícara de café e volta? Ou ele saiu pra comprar cigarros e nunca mais será visto? Não sei. Peguei uma moeda e comecei a falar e ponderar sozinha.

_ Se der cara, é só um café. Se der coroa, são os cigarros.

Joguei. Coroa. Decidi tentar no melhor de três para o resultado ser mais confiável. Você sabe, é mais preciso tirar duas ou três caras, do que apenas uma. O vento pode ter influenciado na primeira. Joguei de novo. Cara. Eu sabia! Ainda sem sentir nada, segurei a moeda, tasquei-lhe um beijo e fiz o terceiro lance. C-O-R-O-A.

Ora, quanta estupidez a minha pensar que uma porcaria de uma moeda vai revelar se um duende chapadão resolveu esconder meus sentimentos num potinho depois do arco íris, ou se ele resolveu colocar fogo para acender seu baseado de trevo de quatro folhas. Deixa disso, pensei.

Para descobrir se o amor ainda está lá, preciso tentar sentir outra coisa, que me prove, de fato, minha indagação. Já sei, preciso tentar sentir culpa! Se a culpa vier, batata, o amor ainda está em algum lugar. Se a culpa não vier, ele já não existe.

Tomei um banho demorado. Deixei que a água que caía sobre mim refrescasse minhas ideias. Aquilo era insano, mas era preciso.

_ Porra! Esqueci a toalha!

Pisei no tapete felpudo do banheiro e me remexi feito um cachorro, na esperança que me secar. Não deu certo. É obvio que não deu. Saí correndo na esperança de não molhar o caminho até o quarto. Também não deu certo. É claro.

Me vesti. Nada demais. Apenas um vestido xadrez. Nada de salto ou maquiagem. Apenas o vestido e algumas gotas de Light Blue. Aquele dia, eu queria carregar um cheiro de sobriedade, não o típico cheiro de sedução que o J’adore proporciona. Naquele dia eu ia sair em busca da minha sobriedade emocional. Se eu achasse a culpa, o amor ainda persistiria, em algum lugar.

Peguei minhas chaves, tranquei o apartamento. Desci para a garagem. Antes de ligar o carro, coloquei para tocar aquela música na voz da Maria Rita, que fala que o trem que chega é o mesmo trem da partida. Achei propício. Tirei o carro e cantei como se não houvesse amanhã. E cantei uma, duas, três, quinze vezes. 

Onde vai estar a culpa? Dentro das calças de um homem, concluí. Naquele dia, eu precisava beber e foder. E acordar de porre e suja com a porra de outro. Se ainda sim eu não sentisse nada, era mesmo o fim do amor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário